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Explorando Novos Horizontes: Biomarcadores na Doença Renal Crônica em Gatos

Escrito por Luan Stefani

20 MAR 2024 - 09H05 (Atualizada em 20 MAR 2024 - 13H38)

Introdução a DRC (doença renal Crônica)

Com o passar do tempo, os gatos estão demonstrando uma maior expectativa de vida, influenciada por uma melhor qualidade nutricional e comportamental, bem como pela evolução atual da Medicina Veterinária, que oferece diagnósticos mais refinados e tratamentos mais sofisticados. Em decorrência dessa maior longevidade, se torna cada vez mais recorrente a presença de pacientes com doenças crônicas nas clínicas e hospitais veterinários. Se tratando de felinos, a DRC (Doença Renal Crônica), apresenta uma grande prevalência, relatada de até 50% em gatos geriatras. Além de distúrbios renais e de ureteres serem a causa mais comum de mortalidade em felinos, de acordo com um estudo realizado pela Royal Veterinary College. Na maioria dos casos esse distúrbio se caracteriza pela fibrose tubulointersticial, afetando a morfofisiologia e com comprometimento irreversível e progressivo dos rins. Portanto, é de suma importância a identificação de anormalidades físicas e bioquímicas através de exames de saúde de rotina para detecção e tratamento de gatos doentes renais aparentemente saudáveis. Além disso, é necessária a busca de novos biomarcadores para detecção precoce da doença e maior compreensão da fisiopatologia, melhorando assim o prognóstico do paciente e potenciais alvos terapêuticos, já que atualmente não existe tratamento eficaz, além do manejo dietético que reduz consideralvelmente a progressão da DRC. Pensando em toda importância que esses marcadores exercem dentro da clínica, resolvi trazer aquilo que já é muito bem conhecido pelos profissionais, mas com novos horizontes!

Marcadores de filtração glomerular

O teste padrão ouro e mais sensível para indicar comprometimento da função renal é a medição da taxa de filtração glomerular (TFG), em que é utilizado um marcador de filtração endógeno ou exógeno. Mas, infelizmente, nenhuma técnica se mostra viável para utilizar na rotina da clínica veterinária, sendo então uma ferramenta, sobretudo, de pesquisa. Devido a inviabilidade da medição da TFG direta, é realizada a medição de concentrações séricas de biomarcadores estimando indiretamente a TFG. O biomarcador mais tradicional e amplamente usado por ser mais econômico, facilmente disponível e mensurável, é a concentração de creatinina no sangue, mas por se tratar de um metabólito dos miócitos com a função de fabricar energia para que aconteça a contração muscular, o volume de massa magra apresentado pelo gato interfere em sua concentração sanguínea, além dessa limitação, a creatinina não apresenta grande sensibilidade para detecção precoce da DRC. Um estudo realizado na Texas A&M University demonstrou que o nível de creatinina sérica não aumenta além dos intervalos de referência laboratoriais até que 75% da massa renal funcional tenha sido perdida.

Resultando na busca de biomarcadores indiretos de TFG com maior sensibilidade na detecção da diminuição na taxa de filtração, como é o caso da dimetilarginina simétrica (SDMA), que se mostra eficiente quando diminui em aproximadamente 40% da TFG. Outra vantagem do SDMA é sua concentração não ser afetada pela massa muscular. No entanto, há algumas raças de gatos, como os Birman, que apresentam valores séricos de SDMA mais elevados naturalmente. Sendo estes dois biomarcadores muito utilizados na clínica, pelo uso para realizar o estadiamento da DRC, que inclusive, é nosso próximo assunto!

Estadiamento da DRC, de acordo com a IRIS

A Sociedade Internacional de Interesse Renal (IRIS) estabelece diretrizes para o estadiamento da doença renal crônica, levando em consideração as concentrações sanguíneas de creatinina e SDMA em pacientes estáveis, hidratados e em jejum. Esses estágios são compostos por quatro fases determinadas pelas concentrações desses dois biomarcadores, juntamente com outras avaliações, como exame físico e exames complementares, conforme apresentado na Tabela 1 abaixo:

Tabela 1 - Estadiamento DRC, com as concentrações dos biomarcadores e descrição associada.



A IRIS determina, além do estadiamento pelos biomarcadores que foi citado acima, realizar o subestadiamento por proteinúria, que basicamente é quantificada pela razão entre proteínas e creatinina urinária - os valores e subestadiamento estão sendo mostrados na Tabela 2. Posteriormente ao subestadiamento por proteinúria, a IRIS determina também o subestadiamento por pressão arterial sistólica conforme a Tabela 3, sendo indispensável à realização dessa medição a aclimatação dos gatos com toda a condição da medição, gerando assim uma menor alteração dos números aferidos.
Contanto, é importante ressaltar a existência de variação de pressão arterial dentro de raças, tendo que se atentar para essas variações.



Critérios para um bom marcador renal

Certo, mas você sabe o que é necessário para se mostrar um bom biomarcador de função renal? É essencial que a substância apresente concentrações séricas solúveis, vínculo direto com o sistema urinário e demonstre um padrão de mudança proporcional com os danos glomerulares presentes, como uma análise em tempo real da função dos rins. Também é necessário que esse composto apresente uma variabilidade biológica estreita, de forma que fatores como idade, peso, nutrição e outras afecções interfiram o menos possível na sua quantificação. Por fim, esses marcadores devem apresentar uma boa sensibilidade em relação ao comprometimento da massa funcional dos rins. Vamos ver logo abaixo alguns biomarcadores que estão sendo cada vez mais estudados e a característica de cada um!

Cistatina C sérica

A cistatina C é uma proteína produzida por todas as células nucleadas a todo o momento. Esse polipeptídeo participa na comunicação intracelular como inibidor de proteinases. Além disso, essa proteína é muito usada em humanos e cães como biomarcador de TFG. No caso da Medicina humana, utiliza-se uma equação ideal baseada na combinação de cistatina com creatinina para determinar a TGF. Ademais, o polipeptídeo em questão se mostrou muito benéfico em muitas das características citadas de um ótimo biomarcador para aferir a TFG. Entretanto, estudos mostraram que o hipertireoidismo aumenta as concentrações de cistatina, bem como, trabalhos recentes mostram que não foi possível diferenciar concentrações desse biomarcador entre gatos acometidos pela DRC de gatos saudáveis. Além disso, não se mostrou hábil para conseguir estadiar qual estágio se encontra a doença. Por fim, a cistatina se mostrou muito promissora na Medicina humana, porém não é um biomarcador útil para analisar a TFG de gatos, infelizmente!

Grelina

A grelina é um hormônio de origem proteica produzido nas células estomacais, responsável pela regulação do metabolismo do apetite que apresentam via de excreção renal, se dividindo em grelina acilada (GA), que estimula o apetite, e desacil grelina (DG), considerada anorexígena. Um estudo feito pela The Ohio State University buscou comparar concentrações plasmáticas de GA, DG e grelina total (GT) em gatos saudáveis e gatos com DRC. Mostrando que os pacientes com função renal prejudicada, observou-se um aumento do desacil grelina e grelina toral. Em oposição, nenhuma diferença significativa na grelina acilada, independente do grau de comprometimento renal, foi demonstrada, caracterizando a falta de apetite de pacientes com DRC. Este aumento de DG e GT foi correlacionado com a gravidade da doença renal crônica. Além disso, na Medicina Humana, em um estudo realizado com pacientes pediátricos com doença renal, a desacil grelina mostrou uma correlação positiva com a concentração sérica de creatinina. Portanto, a medição da grelina pode fornecer um parâmetro para a inapetência na DRC, além de oferecer mais informações devido à sua relação com a concentração sérica de creatinina, mostrando características de um bom biomarcador. Estudos desenvolvidos com essa proteína acarretam em melhor entendimento do seu uso terapêutico como suporte a anorexia em animais com DRC.

Vesículas extracelular urinárias

As vesículas extracelulares (VEs) são estruturas membranosas liberadas pelas células, sendo composta tanto por estruturas proteicas quanto RNA. Sua origem é principalmente do epitélio renal e do trato urinário. Dentro da Medicina humana já foi demonstrado que tais vesículas apresentam proteínas de todos os segmentos do néfron, permitindo a identificação de diferentes patologias do trato urinário em comparação com pacientes saudáveis. Assim, a caracterização dos proteomas presentes nas VEs de gatos e a criação de um banco de dados são importantes ao fornecimento de informações análogas a uma "biópsia renal líquida" no futuro. Um estudo realizado por pesquisadores do Royal Veterinary College em 2023, . Mostrou que é possível sim isolar com sucesso as VEs da urina de gatos, como também, constatou a presença de proteínas associadas às VEs que servem como marcadores para cada porção presente do néfron, como os glomérulos, os tubos contorcidos, a alça de Henle e o túbulo coletor. Indicando ser um caminho promissor a ser explorado para análises de novos biomarcadores para detecção das afecções presentes no sistema renal, de uma forma muito mais precisa e com maior sensibilidade, aumentando o conhecimento sobre fisiopatologia dessas acometimentos renais e obviamente o desenvolvimento de novos alvos terapêuticos.

Conclusão e agradecimentos

Dessa forma vocês puderam entender um pouco mais sobre alguns biomarcadores muito importantes para o estadiamento da DRC. Fica evidente então a necessidade do desenvolvimento de novas tecnologias e estudos que possibilitem maior sensibilidade, para a detecção cada vez mais precoce dessa doença tão temida pelos tutores, já que é a principal causa da mortalidade de seus gatinhos. Também é fundamental que os médicos veterinários busquem cada vez mais se atualizar e estarem por dentro das novidades, que não param nem por um segundo! E é para isso que desenvolvemos esse blog! Portanto nos acompanhe e fique por dentro de tudo que acontece no mundo animal! Até breve e obrigado por chegar até aqui!

Referências

1. BRUSACH, Katelyn, et al. Measurement of Ghrelin as a marker of appetite dysregulation in cats with and without chronic kidney disease. Veterinary Sciences, 2023, 10.7: 464.

2. O’NEILL, Dan G., et al. Longevity and mortality of cats attending primary care veterinary practices in England. Journal of feline medicine and surgery, 2015, 17.2: 125-133.

3. LAWSON, J. S., et al. Urinary extracellular vesicles as a source of protein‐based biomarkers in feline chronic kidney disease and hypertension. Journal of Small Animal Practice, 2023,

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4. KONGTASAI, Thirawut, et al. Renal biomarkers in cats: A review of the current status in chronic kidney disease. Journal of Veterinary Internal Medicine, 2022, 36.2: 379-396.

5. IRIS Kidney - Guidelines - IRIS Staging of CKD. Disponível em:

6. Global Nutrition Guidelines – WSAVA. Disponível em:

7. RELFORD, Roberta; ROBERTSON, Jane; CLEMENTS, Celeste. Symmetric dimethylarginine: improving the diagnosis and staging of chronic kidney disease in small animals. Veterinary Clinics: Small Animal Practice, 2016, 46.6: 941-960.

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